"As pessoas me perguntam por que eu escrevo coisas tão brutas. Gosto de dizer que tenho um coração de menino; está guardado num vidro em cima da minha escrivaninha."

(Stephen King)



quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Manhã de Natal

Esgueirou-se pela porta, cuidando de olhar para os dois lados antes de sair da casa. A rua deserta começava a iluminar-se com a luz ainda hesitante do amanhecer. Conferiu o relógio e viu que faltavam quinze minutos para as seis. Estava atrasado. Ajeitou o pesado saco no ombro e seguiu com passos apressados para o carro.
Sentia-se exausto e apreensivo, mas, ainda assim, satisfeito. Quatro casas parecia um bom número para alguém de sua idade. Tudo bem, era uma a menos que no ano anterior, mas e daí? O trabalho saíra ainda mais bem feito dessa vez. Nenhum acidente. Nenhuma surpresa. E a certeza de que ninguém conseguiria dizer que ele estivera em qualquer uma das casas. Sorriu.
No entanto, demorara-se além do esperado. De nada adiantaria todo o esmero e cuidado se fosse surpreendido com sua roupa tingida de vermelho vivo e o enorme saco nas costas.
“Talvez eu esteja ficando velho demais pra isso”, pensou, sentindo o ombro formigar sob o peso.
— Bobagem! — murmurou com um sorriso malicioso — Estou melhor que nunca.
Lembrou-se da primeira vez; de como estava nervoso, do medo de ser surpreendido e do sentimento de realização que experimentara ao ver tudo feito como planejado. Ainda provava da mesma sensação após tantos anos. Era revigorante imaginar os rostinhos surpresos das crianças, que iam até a cama dos pais, acordá-los na manhã de Natal. Aquele momento estaria para sempre em suas memórias. Isso fazia valer a pena toda a preparação, que podia levar o ano inteiro. A escolha da cidade, das casas, tudo tinha que ser pensado e planejado com carinho.
Faltavam poucos metros para o carro, e ele se perguntava por que tinha estacionado tão longe. Excesso de cuidado, talvez, mas era melhor assim.
Colocou o saco no chão e aliviou os músculos doloridos. Abriu o porta-malas e teve que fazer um esforço extra para conseguir levantar o fardo. No ano seguinte, poderia cogitar souvenirs mais fáceis de carregar. Mãos, por exemplo, eram menores, mais leves e fáceis de cortar.
“Bobagem!”, pensou, “ Nada fica melhor na estante do que crânios”.
Uma das cabeças rolou para fora do saco. Ele calmamente a apanhou e lançou-a de volta, provocando um ruído nauseante quando ela se chocou com as outras.
Apressou-se. O sol já aparecia, logo as pessoas começariam a acordar. Daí viriam os gritos, os vizinhos, a polícia... Precisava estar longe.

Entrou no carro e partiu, provando da sensação de alegria e dever cumprido. Estava feliz.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Até o fim



Leva-me leve, nas pontas dos dedos
Para que eu não perceba e me assuste.
Porque de medo também morre o amor
E por insegurança, mata-se a felicidade.

Toca-me sempre e devagar
Para que eu me acostume e goste.
Olha-me muito, escuta e fala
Pois importantes são os gestos,
Mas igualmente são as palavras.

Quando eu fugir, busca-me
E me acolhe quando eu voltar.
Que sejam teus braços refúgio seguro
Para onde eu retorne sem receio, sem tredice, sem pesar.

Aconchega-me bem junto do peito
Para que eu te ouça o coração e me convença de que aquele lugar é meu.
E é ali que vou querer estar para sempre
Sendo eu mesma
Até o fim.