"As pessoas me perguntam por que eu escrevo coisas tão brutas. Gosto de dizer que tenho um coração de menino; está guardado num vidro em cima da minha escrivaninha."

(Stephen King)



sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A Princesa de Londres




Havia algo de mórbido naquele seu costume de observar os barcos chegando ao porto. Angustiava-se ao ver os imigrantes desembarcarem de seus navios, cheios de esperança e medo, e ainda assim, sempre que podia estava ali, a contemplar a turba maltrapilha vinda de diversas partes do mundo.
Lembrava-se do pai, que saíra da terra natal cheio de planos e que não chegara àquela que era a capital do mundo. Da irmã mais velha, que também sucumbira à doença durante a viagem, e que sonhava com uma Londres resplandecente, onde teriam posses e seriam princesas. Mas, na maioria das vezes, lembrava-se de si mesma, chegando sozinha numa cidade que nada tinha da prosperidade dos planos do pai ou da beleza dos sonhos da irmã. A primeira impressão que tivera de Londres foi a de que ela tentava repelir os recém-chegados com o seu mau-cheiro.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Dias Agridoces




Tomara que ela se esqueça. Tomara que ela se esqueça. Mas é claro que ela não se esqueceria. Minha mãe cumpria aquela rotina há tempo demais para se esquecer. Mesmo assim, eu me enrolei ainda mais no cobertor e abracei o travesseiro, esperando que, dessa vez, ela não viesse.
— Mila, hora de levantar.
Levante de uma vez e evite o sermão.
— Ah mãe, só hoje...
— De jeito nenhum. Pode ir levantando. Se não tivesse ficado até tarde assistindo à porcarias na TV, não estaria caindo de sono. 
São seis e meia. Eu estaria caindo de sono de qualquer forma.
— Não era porcaria, mãe. Era um documentário.
Sobre a evolução do rock, é verdade.
— Tá, documentário. Agora levante, senão seu pai vai acabar deixando-a pra trás.
Não vai, não. Vai ficar me infernizando, até eu ficar pronta.
Meu pai, como de costume, já havia terminado de tomar o café quando me sentei à mesa.
— Bom dia, dona Camila. Atrasada de novo?
Aquela pergunta também fazia parte do nosso ritual diário.
— No horário. Pai, você e a minha mãe já conversaram?
— Sobre?
O conflito árabe-israelense. Por que os pais têm essa mania de ficar enrolando a gente?