"As pessoas me perguntam por que eu escrevo coisas tão brutas. Gosto de dizer que tenho um coração de menino; está guardado num vidro em cima da minha escrivaninha."

(Stephen King)



segunda-feira, 25 de julho de 2011

Carta a Borges

Texto escrito para o Sétimo Desafio de Escritores: uma carta a Jorge Luís Borges.


Borges e o gato Beppo.

Querido Borges.

Sendo eu a escrever-te esta carta, não poderia ser ela ordinária, mas, sim, fantástica, como são teus textos. Só sendo tu o destinatário, é que ela é possível e não absurda.
 Quero, antes de tudo, agradecer-te pelos poemas. Tiveste inclusive a maravilhosa audácia de dar meu nome a um deles. Senti-me lisonjeado; sabes que sou vaidoso. Porém, foi do outro que gostei mais, daquele cujo título genérico não foi capaz de esconder que era em mim que pensavas quando o escreveste.
São belos, ambos, mas em minha ousadia, achei-os vagos. Havia tanto mais a ser dito. Não senti neles a profundidade de nossa relação. Por que não explicitar a estreiteza dos nossos laços? Acaso temeste falar das noites em que eu me esgueirava para tua cama e do toque macio do meu corpo em tua pele? Não me lembro de ser tua mão temerosa nas carícias que a mim dispensaste, nem terias motivos para isso, já que vivi a me oferecer a ti sem nenhum pudor. Ficaste envergonhado de admitir que, em várias ocasiões, abriste o coração para mim e que fui teu confessor em momentos de angústia? Devias ter escrito sobre as vezes que, na falta dos teus, emprestei-te meus olhos para que visses o mundo da forma que nenhum olho humano seria capaz. Será que te esqueceste de nossa cumplicidade muda? Lembras de como te ensinei a desfrutar de uma boa companhia, sempre que possível, mas principalmente de como apreciar a solidão?
Não estou a me queixar, entende, sou-te muito grato. Mas é que, embora não tenha pertencido a ti, fui mais teu do que de qualquer outra pessoa, e por isso, esperava mais calor em tuas palavras.
Por favor, não te magoes com meu tom impertinente, é que, depois de velho, dei para ficar lamurioso. Pode ser também que eu esteja um tanto aborrecido com a proximidade do fim. Não quero tornar esta carta uma despedida, mas sabendo que minha partida não tarda, é inevitável tocar no assunto. Quero que fiques bem e que cuides de nossa amada Fanny.
Encerro dizendo que fui muito feliz estando tão próximo de ti, e fazendo-te um derradeiro pedido: gostaria de ser posto na Praça San Martín; seria  uma última homenagem a este velho amigo.
Segue feliz, amado Borges.
Do sempre teu,
                Beppo.



terça-feira, 19 de julho de 2011

Solidão que mata




O inspetor Roberson massageava vigorosamente a têmpora direita. A maldita enxaqueca insistia em enlouquecê-lo. O local estava cheio de gente; peritos, policiais, investigadores, todos se esbarrando no pequeno apartamento. Ele estranhou que não houvesse o odor nauseante das últimas cenas de crime. Talvez aquela nem fosse uma das vítimas de seu serial killer afinal.
Hesitou por um instante à porta, observando a confusão das pessoas lá dentro. Não queria entrar. Aqueles crimes estavam acabando com ele. Poucas pistas, muitas vítimas e a terrível pressão pública cobrando um resultado impossível. Tinha que admitir que o sujeito era esperto. No início, sequer conseguiram ligar as mortes a um mesmo assassino. Fora Roberson quem fizera a conexão. Se aquele caso também fosse um dos seus, seria o nono. 

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O Nirvana não é para todos



O dia mal amanhecera, quando ela começou a subir a encosta íngreme do monte. O vento úmido que soprava sobre o caminho fez com que Aung se encolhesse dentro de seu manto, embora o estremecimento que a acometia não fosse totalmente causado pelo frio. Havia nela insegurança, medo e, sim, raiva.
Pensou em quantas vezes fizera aquele percurso, na maioria delas, ao lado do marido. Em algumas ocasiões, carregava a cesta pesada de donativos, noutras, apenas o coração repleto da vontade de ser útil. Nas últimas semanas, no entanto, subia até o mosteiro completamente desprovida de qualquer sentimento de doação; vinha exigir o que lhe fora tomado. 

terça-feira, 5 de julho de 2011

Rosalin



— Alô – disse Bosco esfregando olhos, tentando acordar. — Alô — repetiu, já pronto a colocar o fone de volta, quando uma voz respondeu do outro lado:
— Alô... Bosco? É o Ed.
— Poxa Ed! Tem idéia de que horas são?
— Bosco, você tinha razão. Eu nunca devia ter me metido com eles.
Algo na voz do amigo fez Bosco sentar-se na cama, bem mais desperto.
— Do que você está falando? Se metido com quem?
— Os Thompson.
— Cara, eu não tô entendendo nada. Aconteceu alguma coisa?
— Vieram me buscar, eu sei... Está lá fora desde que anoiteceu.
— Ed — começou Bosco, tentando manter a calma — Você andou bebendo? Quem está lá fora?
— Rosalin.
Então a ligação caiu.