Borges e o gato Beppo. |
Querido Borges.
Sendo eu a escrever-te esta carta, não poderia ser ela ordinária, mas, sim, fantástica, como são teus textos. Só sendo tu o destinatário, é que ela é possível e não absurda.
Quero, antes de tudo, agradecer-te pelos poemas. Tiveste inclusive a maravilhosa audácia de dar meu nome a um deles. Senti-me lisonjeado; sabes que sou vaidoso. Porém, foi do outro que gostei mais, daquele cujo título genérico não foi capaz de esconder que era em mim que pensavas quando o escreveste.
São belos, ambos, mas em minha ousadia, achei-os vagos. Havia tanto mais a ser dito. Não senti neles a profundidade de nossa relação. Por que não explicitar a estreiteza dos nossos laços? Acaso temeste falar das noites em que eu me esgueirava para tua cama e do toque macio do meu corpo em tua pele? Não me lembro de ser tua mão temerosa nas carícias que a mim dispensaste, nem terias motivos para isso, já que vivi a me oferecer a ti sem nenhum pudor. Ficaste envergonhado de admitir que, em várias ocasiões, abriste o coração para mim e que fui teu confessor em momentos de angústia? Devias ter escrito sobre as vezes que, na falta dos teus, emprestei-te meus olhos para que visses o mundo da forma que nenhum olho humano seria capaz. Será que te esqueceste de nossa cumplicidade muda? Lembras de como te ensinei a desfrutar de uma boa companhia, sempre que possível, mas principalmente de como apreciar a solidão?
Não estou a me queixar, entende, sou-te muito grato. Mas é que, embora não tenha pertencido a ti, fui mais teu do que de qualquer outra pessoa, e por isso, esperava mais calor em tuas palavras.
Por favor, não te magoes com meu tom impertinente, é que, depois de velho, dei para ficar lamurioso. Pode ser também que eu esteja um tanto aborrecido com a proximidade do fim. Não quero tornar esta carta uma despedida, mas sabendo que minha partida não tarda, é inevitável tocar no assunto. Quero que fiques bem e que cuides de nossa amada Fanny.
Encerro dizendo que fui muito feliz estando tão próximo de ti, e fazendo-te um derradeiro pedido: gostaria de ser posto na Praça San Martín; seria uma última homenagem a este velho amigo.
Segue feliz, amado Borges.
Do sempre teu,
Beppo.