"As pessoas me perguntam por que eu escrevo coisas tão brutas. Gosto de dizer que tenho um coração de menino; está guardado num vidro em cima da minha escrivaninha."

(Stephen King)



sábado, 17 de dezembro de 2011

A enfermeira e o cachorrinho




Desconsiderando a opinião de amigos, que desaconselhavam às pessoas assistirem ao tal vídeo da enfermeira espancando o cachorrinho, resolvi vê-lo. Normalmente eu concordo que ver esse tipo de violência é sofrer à toa e dar popularidade a gente ruim, mas, nesse caso, foi diferente. Assistir ao vídeo mudou minha perspectiva sobre o que aconteceu e me desconcertou muito mais.  
Eu esperava cenas de uma pessoa que, acometida por ataque de fúria insana, agredisse o animal, possivelmente surpreendido cometendo um pecado imperdoável, como o de roer um sapato caríssimo. Ou, quem sabe, a fera, na enormidade de seus dois quilos, houvesse atacado a moça e ela, vítima de uma fobia absurda, tivesse coberto de pancadas o pequeno demônio para proteger a própria vida.
Mas o vídeo não traz nada disso. Não há gritos furiosos. Não há caos. Não se vê raiva contida que, de repente, explode e extravasa em forma de violência. Sequer se nota qualquer emoção ou reação por parte da agressora. Ela é fria e sádica; persegue, tortura e, no fim, ainda arruma os petrechos do bichinho, antes de prendê-lo, ferido, sob um balde. Gelada.
Como justificar uma atitude dessas? Ela disse que estava num “mau-dia”. Eu fico pensando como seria chegar ao hospital e ser cuidado por essa criatura quando ela estivesse num “péssimo-dia”. Não satisfeita, ela vai mais longe ao dizer que não é um monstro, porque as pessoas não sabem o que ela sofreu com aquela “peste”. É verdade, ninguém pode imaginar as atrocidades que um ser infernal, como um yorkshire, é capaz de cometer contra seu dono.
O pior é que já tem gente dizendo que, apesar da violência, é barulho demais por causa de um cachorro. A eles eu digo: esqueçam o cachorro. Pensem só que é dessa flor de candura a mão que balança o berço do seu filho no berçário; essa alma caridosa é quem zela pelo seu pai, que se encontra incapacitado sobre uma cama de hospital; é ela quem cuida para que você fique menos desconfortável quando está doente e frágil.
Levem ainda em consideração que toda a brutalidade foi cometida dentro do lar dessa dona e diante do próprio filho. Do que será que ela é capaz em um ambiente pouco estressante, como é um hospital, quando não há ninguém por perto?
Está na hora de parar de enxergar os maus-tratos a animais como preocupação de um grupo de protetores que, sem mais o que fazer, causa tumultos nas redes sociais. Criaturas como essa mulher expõem nossa face mais desumana e se não nos indignamos diante disso o que somos?
Dizem que quem comete violência contra animais está a um passo da violência contra pessoas. Eu discordo. Quem faz tal maldade contra um cão indefeso já está pronto, só precisa de uma oportunidade.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A Princesa de Londres




Havia algo de mórbido naquele seu costume de observar os barcos chegando ao porto. Angustiava-se ao ver os imigrantes desembarcarem de seus navios, cheios de esperança e medo, e ainda assim, sempre que podia estava ali, a contemplar a turba maltrapilha vinda de diversas partes do mundo.
Lembrava-se do pai, que saíra da terra natal cheio de planos e que não chegara àquela que era a capital do mundo. Da irmã mais velha, que também sucumbira à doença durante a viagem, e que sonhava com uma Londres resplandecente, onde teriam posses e seriam princesas. Mas, na maioria das vezes, lembrava-se de si mesma, chegando sozinha numa cidade que nada tinha da prosperidade dos planos do pai ou da beleza dos sonhos da irmã. A primeira impressão que tivera de Londres foi a de que ela tentava repelir os recém-chegados com o seu mau-cheiro.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Dias Agridoces




Tomara que ela se esqueça. Tomara que ela se esqueça. Mas é claro que ela não se esqueceria. Minha mãe cumpria aquela rotina há tempo demais para se esquecer. Mesmo assim, eu me enrolei ainda mais no cobertor e abracei o travesseiro, esperando que, dessa vez, ela não viesse.
— Mila, hora de levantar.
Levante de uma vez e evite o sermão.
— Ah mãe, só hoje...
— De jeito nenhum. Pode ir levantando. Se não tivesse ficado até tarde assistindo à porcarias na TV, não estaria caindo de sono. 
São seis e meia. Eu estaria caindo de sono de qualquer forma.
— Não era porcaria, mãe. Era um documentário.
Sobre a evolução do rock, é verdade.
— Tá, documentário. Agora levante, senão seu pai vai acabar deixando-a pra trás.
Não vai, não. Vai ficar me infernizando, até eu ficar pronta.
Meu pai, como de costume, já havia terminado de tomar o café quando me sentei à mesa.
— Bom dia, dona Camila. Atrasada de novo?
Aquela pergunta também fazia parte do nosso ritual diário.
— No horário. Pai, você e a minha mãe já conversaram?
— Sobre?
O conflito árabe-israelense. Por que os pais têm essa mania de ficar enrolando a gente?

domingo, 23 de outubro de 2011

E o que me incomoda?

   Parei, por um instante, de escovar os dentes para poder ouvi-los melhor e suspirei, desanimada, ao identificar os gritos já conhecidos.  Pensei se caberia a mim, mais uma vez, por fim àquilo e lancei, irritada, a escova de dentes dentro da pia. Sentei-me na cama por um momento, ponderando se devia ou não pegar o telefone. E de que adiantaria? Nada mudara nas últimas vezes. 
  Foi o pranto da filha mais velha que me deu a certeza de que finalmente havia acabado. Ninguém iria parar na Emergência; a ambulância não viria dessa vez. Ele não seria liberado no dia seguinte, como acontecera outras vezes. Certamente ficaríamos um tempo sem vê-lo. Se ao menos o tivessem levado antes, talvez não houvesse um fantasma na casa ao lado.
   Enfim, ela descansa... e eu descanso  também. Não há mais gritos, nem ligações para a polícia e as crianças já não choram. Pensei em me mudar, mas, que droga! Por que isso faria sentido agora? Se pude conviver por tanto tempo com o fato de morar ao lado de um monstro assassino, por que me incomodaria uma assombração na casa vizinha?

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Carta a Hitler


Texto escrito para o Desafio de Escritores, cuja tarefa consistia em escrever uma carta a Hitler, do ponto de vista do final do século XX, considerando que ele vivesse, nessa época, em Bariloche.

Adolf, 
   Esta carta vem pôr um ponto final em nossa relação; estou te deixando. Cansei-me de teus resmungos de frustração, de tua arrogância injustificada e de tua frieza. Não suporto mais ouvir-te suspirar “Se eles...”, “Se não fosse...”, “Se tivessem...”... Basta! Já que não admites que arruinaste a ti e ao teu país, assume ao menos que destruíste minha vida. 
   Há dias, venho pensando na história de outra Eva, a daqui. Sua vida será retratada em um filme. Sobre mim, jamais farão um filme. Culpa minha e culpa tua. Sempre que falam de mim, descrevem-me como uma mulher inexpressiva, vazia e até obtusa. Mas a verdade, e talvez nem tu o saibas, é que não sou nada disso. Ao contrário do que possas pensar, Adolf, sou bastante inteligente, porém tive que me rebaixar muito para estar a tua altura. Anulei-me para estar ao teu lado, primeiro, por deslumbramento adolescente, depois, por amor, e, por fim, por conformismo.
   Entendi, há tempos, que não te limitaste a perseguir os que não te compreendiam, mas calaste também os que enxergavam tua mediocridade. Tive medo de que visses, através de mim, tuas fraquezas. Calei-me e igualei minha covardia à tua. Mas o que devo temer agora? Um velho amargo que perdeu a máscara de superioridade e que passa os dias a praguejar?
   E eu que pensei que te casaste comigo, às vésperas de nossa fuga, porque não me querias perder. Grande ilusão! Tu não querias era estar só em teu fracasso. Arrastaste-me para o exílio apenas por medo da solidão. Eis que farsa foi nosso casamento e que arremedo de marido tu me foste. Digo-te que, em todos esses anos que aqui vivemos, nunca fui feliz.
   Espero que possas, ainda que uma única vez antes de morrer, encarar o mal que fizeste. Tua nação tem vergonha de ti e teu povo ficou marcado por conta das atrocidades que cometeste. Enxerga, homem, tua pequenez. Desce desse pedestal de mentiras onde te instalaste. Que grande estadista foste, se sequer podes sair à rua e dizer aos outros quem és? Se te julgas mesmo tão superior a essas pessoas, que com desprezo chamas de “gente de fala enrolada”, por que não alardeias teus feitos diante delas? Covarde é o que sempre foste! Este povo te cuspiria na cara se te conhecesse.
   Enfim, não posso mais te suportar. Azedas e infectas tudo ao teu redor; preciso limpar-me de ti. Não te preocupes, não tenho qualquer intenção de entregar teu paradeiro; lembro-me de teu pânico, quando descobriram Mengele no Brasil.
   Deixo Bariloche, mas não a Argentina; gosto daqui. Não estou fugindo de ti e sequer pedirei que não me procures, pois sei que, em tua inércia, és incapaz de buscar o que quer que seja.
   Fica e reina no império que conquistaste.

             Eva Braun 

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A filha do compadre




Mariana estava largada no sofá assistindo à novela, quando o telefone começou a tocar. 
Lá do quarto, José gritou:
—  Mari, atende aí que eu tô acabando de me vestir.
Não houve resposta e a campainha continuou a ecoar no apartamento. 
José soltou um suspiro, calçando os chinelos. Maldita novela, pensou, arrastando-se até a sala. Lançou à esposa um olhar de desprezo que ela ignorou completamente; estava absorta com a cena de discussão na TV.
— Alô.
Sim, é ele.
Oi, Cumpadre. Quanto tempo, hein?
Pois é. Já tem pra mais de três anos, né?
Mariana vai bem. Tá ali assistindo a novela.
A cumadre Elsa também? É... Coisa de mulher.
Eu não! Se ainda fosse um futebolzinho.
É, jogo do Timão eu não perco.
Não, este ano não. O time tá bom. Hahaha...
É mesmo, Cumpadre? O que foi que houve?

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O filho morto



— Mamãe.
Amy sentou-se na cama, assustada. O chamado do filho caçula, embora apenas um sussurro, fora nítido em seu ouvido. Ela levou as mãos ao rosto e esfregou os olhos, sonolenta. Não podia ser Paul, certamente não passara de um sonho. Levantou-se, vestiu o robe e foi até o quarto das crianças, certificar-se de que Arthur, seu mais velho, estava bem. Ficou observando-o da porta e vê-lo dormir tão serenamente encheu seu coração de ternura. Estava para ir até ele, quando seus olhos encontraram a cama de Paul, arrumada e coberta de bichos de pelúcia. Não pôde continuar ali, precisou sufocar os soluços e sair apressadamente para não acordar Arthur.
De volta ao seu quarto e abraçada ao retrato do filho mais novo, Amy chorou copiosamente.
— Que saudade, meu filho — murmurou.
Estava prestes a apagar as luzes, quando um barulho vindo da sala ecoou no apartamento. Amy pôs-se em pé num salto, indecisa sobre ir ou não averiguar o que acontecera. Que bobagem, Amy. Esta é sua casa, trancada e segura. Provavelmente o gato derrubou alguma coisa, pensou.
Na sala, uma das janelas estava aberta e o vento forte fazia as cortinas esvoaçarem. Um abajur, que ficava próximo a elas, jazia no chão em pedaços. Aí está, a cortina derrubou o abajur, pensou, mas então um arrepio subiu-lhe pelas costas. Quem teria aberto a janela? Estava certa de ter trancado tudo antes de ir deitar-se. Amy foi até lá e olhou para fora. Um mês antes, fora dali que Paul saltara para a morte. Trancou-a e afastou-se dela horrorizada.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Bem aventurado


Silas estava sentado no primeiro banco da igreja, bocejando aborrecido. Podia estar largado diante da TV, aproveitando o feriado, não fosse por sua sogra carola, apoiada pela esposa, que o obrigara a acompanhá-las. Tudo bem, viera até ali, esperaria por elas, mas seguir a procissão da “paixão”, isso ele se recusara terminantemente.
Fitava o altar despido de seus ornamentos, enquanto se lembrava da época em que também era católico e acreditava. Não chegara ao ateísmo, mas na juventude sua fé começou a questioná-lo e se tornara inconveniente. Então, ao invés de buscar uma crença mais flexível, ele optara por simplesmente seguir a vida sem religião. Já na faculdade, foi sua vez de questionar a fé e ela lhe pareceu frágil e pouco crível. Silas era professor de matemática há 20 anos e para alguém tão acostumado à exatidão dos números, a fé ficava condicionada a algum tipo de prova.
Levantou-se e caminhou até o nicho que abrigava uma imagem, em tamanho real, de Jesus Cristo. Parou diante dela e começou a conversar:
— Pois é, seus fiéis estão lá fora revivendo a sua crucificação. Eu tinha dúvida se eles eram sádicos ou masoquistas, mas então os vi malhando o Judas num sábado de aleluia e tudo ficou claro.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Carta a Borges

Texto escrito para o Sétimo Desafio de Escritores: uma carta a Jorge Luís Borges.


Borges e o gato Beppo.

Querido Borges.

Sendo eu a escrever-te esta carta, não poderia ser ela ordinária, mas, sim, fantástica, como são teus textos. Só sendo tu o destinatário, é que ela é possível e não absurda.
 Quero, antes de tudo, agradecer-te pelos poemas. Tiveste inclusive a maravilhosa audácia de dar meu nome a um deles. Senti-me lisonjeado; sabes que sou vaidoso. Porém, foi do outro que gostei mais, daquele cujo título genérico não foi capaz de esconder que era em mim que pensavas quando o escreveste.
São belos, ambos, mas em minha ousadia, achei-os vagos. Havia tanto mais a ser dito. Não senti neles a profundidade de nossa relação. Por que não explicitar a estreiteza dos nossos laços? Acaso temeste falar das noites em que eu me esgueirava para tua cama e do toque macio do meu corpo em tua pele? Não me lembro de ser tua mão temerosa nas carícias que a mim dispensaste, nem terias motivos para isso, já que vivi a me oferecer a ti sem nenhum pudor. Ficaste envergonhado de admitir que, em várias ocasiões, abriste o coração para mim e que fui teu confessor em momentos de angústia? Devias ter escrito sobre as vezes que, na falta dos teus, emprestei-te meus olhos para que visses o mundo da forma que nenhum olho humano seria capaz. Será que te esqueceste de nossa cumplicidade muda? Lembras de como te ensinei a desfrutar de uma boa companhia, sempre que possível, mas principalmente de como apreciar a solidão?
Não estou a me queixar, entende, sou-te muito grato. Mas é que, embora não tenha pertencido a ti, fui mais teu do que de qualquer outra pessoa, e por isso, esperava mais calor em tuas palavras.
Por favor, não te magoes com meu tom impertinente, é que, depois de velho, dei para ficar lamurioso. Pode ser também que eu esteja um tanto aborrecido com a proximidade do fim. Não quero tornar esta carta uma despedida, mas sabendo que minha partida não tarda, é inevitável tocar no assunto. Quero que fiques bem e que cuides de nossa amada Fanny.
Encerro dizendo que fui muito feliz estando tão próximo de ti, e fazendo-te um derradeiro pedido: gostaria de ser posto na Praça San Martín; seria  uma última homenagem a este velho amigo.
Segue feliz, amado Borges.
Do sempre teu,
                Beppo.



terça-feira, 19 de julho de 2011

Solidão que mata




O inspetor Roberson massageava vigorosamente a têmpora direita. A maldita enxaqueca insistia em enlouquecê-lo. O local estava cheio de gente; peritos, policiais, investigadores, todos se esbarrando no pequeno apartamento. Ele estranhou que não houvesse o odor nauseante das últimas cenas de crime. Talvez aquela nem fosse uma das vítimas de seu serial killer afinal.
Hesitou por um instante à porta, observando a confusão das pessoas lá dentro. Não queria entrar. Aqueles crimes estavam acabando com ele. Poucas pistas, muitas vítimas e a terrível pressão pública cobrando um resultado impossível. Tinha que admitir que o sujeito era esperto. No início, sequer conseguiram ligar as mortes a um mesmo assassino. Fora Roberson quem fizera a conexão. Se aquele caso também fosse um dos seus, seria o nono. 

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O Nirvana não é para todos



O dia mal amanhecera, quando ela começou a subir a encosta íngreme do monte. O vento úmido que soprava sobre o caminho fez com que Aung se encolhesse dentro de seu manto, embora o estremecimento que a acometia não fosse totalmente causado pelo frio. Havia nela insegurança, medo e, sim, raiva.
Pensou em quantas vezes fizera aquele percurso, na maioria delas, ao lado do marido. Em algumas ocasiões, carregava a cesta pesada de donativos, noutras, apenas o coração repleto da vontade de ser útil. Nas últimas semanas, no entanto, subia até o mosteiro completamente desprovida de qualquer sentimento de doação; vinha exigir o que lhe fora tomado. 

terça-feira, 5 de julho de 2011

Rosalin



— Alô – disse Bosco esfregando olhos, tentando acordar. — Alô — repetiu, já pronto a colocar o fone de volta, quando uma voz respondeu do outro lado:
— Alô... Bosco? É o Ed.
— Poxa Ed! Tem idéia de que horas são?
— Bosco, você tinha razão. Eu nunca devia ter me metido com eles.
Algo na voz do amigo fez Bosco sentar-se na cama, bem mais desperto.
— Do que você está falando? Se metido com quem?
— Os Thompson.
— Cara, eu não tô entendendo nada. Aconteceu alguma coisa?
— Vieram me buscar, eu sei... Está lá fora desde que anoiteceu.
— Ed — começou Bosco, tentando manter a calma — Você andou bebendo? Quem está lá fora?
— Rosalin.
Então a ligação caiu.  

segunda-feira, 27 de junho de 2011

A Casa dos Pecados


Mauro abriu os olhos e fitou o teto. O quarto era escuro e abafado, apenas uma luz difusa penetrava pelas frestas das janelas. O velho colchão, onde estava deitado, exalava um odor azedo e enjoativo. Não sabia como chegara ali.  O pânico começou a querer dominá-lo, mas o peso à direita de seu quadril o fez sentir-se seguro. Levou a mão até o coldre e palpou a 9mm.
Sentou-se, analisando o lugar e surpreendeu-se ao notar a mulher do outro lado do quarto. Estava nua e os cabelos escuros contrastavam com a brancura de sua pele. Pareceu-lhe vagamente familiar. Quando ela se aproximou, ele soube onde já havia visto aquele rosto e porque não o reconhecera de imediato: nas fotos que vira dela, seu rosto estava transformado pela morte. 

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Planos para o Futuro





Quando o despertador começou a tocar, Jack teve que se esticar sobre o lado vazio da cama para poder desligá-lo. Afundou o rosto no travesseiro da esposa e, embora achasse o perfume agradável, naquela manhã, ele o incomodou. Emily, como todos os dias, já se levantara há algum tempo; era difícil para certas pessoas perder antigos hábitos. Sabia que a encontraria na mesa do café, com uma caneca na mão, folheando o jornal.
Jack soltou um profundo suspiro, afastando as cobertas. Estava cansado daquilo. A rotina, a cama, a casa e, principalmente, a esposa faziam-no se sentir velho. Tinha que se libertar ou sucumbiria àquela atmosfera sufocante de monotonia. Consolava-se por saber que a situação logo estaria resolvida; um mês, pedira-lhe Tom, seu advogado.  

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Arte de Fumaça


Conto escrito para o 6° Desafio de Escritores, cujo tema era "O Jardim da Delícias", quadro de Hieronymus Bosch.




— Mestre Jeroen, está acordado?
A voz de Margô o despertara no primeiro chamado, porém ele relutava em abrir os olhos; a luz podia ser dolorosa. Tentava, ao mesmo tempo, evitar e manter na mente as imagens que o assombravam desde a noite anterior.
— Mestre Jeroen...
— Sim, Margô, estou acordado.
— Perdão, Mestre, por incomodá-lo, mas é que está aqui um servo da Casa de Nassau e ele diz que seu senhor o mandou perguntar sobre a obra encomendada.
— Diga-lhe que espere. Descerei em alguns minutos.
Margô assentiu e retirou-se.
Jeroen sabia que Henrique de Nassau não tardaria a cobrá-lo pela obra, há muito encomendada e paga. No entanto, estava com sérias dificuldades para produzi-la. “Uma visão nova sobre a humanidade e o sagrado”, pedira Nassau e o que á princípio lhe parecera simples tornou-se um desafio. Como produzir algo novo sobre a velha relação Homem/Deus? A resposta veio por meio de um exótico e incrível objeto, que ele conhecera na taverna um dia antes.  

Começando...

Este post de abertura parece ser o mais difícil de escrever; imagino que os próximos fluirão naturalmente. Tenho problemas com os inícios. Sempre achei complicado começar qualquer coisa nova e sendo este meu primeiro Blog, onde postarei meus textos de iniciante, a tarefa é ainda mais árdua.
Vamos fazer assim, eu me despeço e deixo minhas histórias falarem por mim.
Espero que gostem.