"As pessoas me perguntam por que eu escrevo coisas tão brutas. Gosto de dizer que tenho um coração de menino; está guardado num vidro em cima da minha escrivaninha."

(Stephen King)



quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Carta a Che Guevara


Texto escrito para o Sétimo Desafio de Escritores, cuja tarefa consistia em escrever uma carta a Che falando das atualidades do mundo em relação à luta e os ideais de Guevara.



Companheiro Ernesto,

Surpreendentemente, aos setenta e nove anos, continuo por aqui, respirando, lúcido e consciente de meus atos. Não espere que haja nesta carta um pedido de desculpas. Não é por arrependimento que lhe escrevo, mas por uma súbita necessidade de compartilhar minha frustração. Saiba que, com minha traição, acabei fazendo-lhe um favor. Você se tornou uma personalidade admirada no mundo todo, por pessoas inclusive que jamais o entenderiam se o conhecessem. Soube até que o consideram santo em certos lugares, o que não deixa de ser muito engraçado; a santidade é algo que nunca estaria ao alcance de homens como nós. 
Livrei-o de se tornar uma figura patética, como aconteceu ao seu amigo Fidel. 
Quanto a mim, continuo incógnito, como prometeram os americanos; o serviço secreto deles foi muito eficiente em desaparecer comigo.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Momentos


Conto escrito para o Desafio de Escritores, cujo tema foi a canção "Wooden Boat".

Foi numa terça ou quarta-feira, não me lembro bem, mas é certo que era um dia de pouco movimento. Ele entrou, bem vestido, embora a gravata estivesse frouxa e o colarinho desabotoado. Nunca o havia visto por ali e fiquei pensando que tipo de cliente ele seria. Tinha por volta dos sessenta anos e parecia cansado, contudo, seus olhos azuis eram atentos, vívidos. Sentou-se na ponta do balcão, longe de onde eu arrumava os copos, e ficou ali, observando-me em silêncio. Cheguei a pensar que ele fosse do tipo calado; daqueles que bebiam um copo após o outro, pagavam a conta e iam embora sem dizer nada. Porém, aqueles olhos pareciam ansiosos demais para pertencerem a alguém quieto.
Levei-lhe um copo e perguntei o que queria para beber. Ele olhou as prateleiras atrás de mim indeciso e deu de ombros. Apanhei uma garrafa de bourbon e lhe acenei com ela, ao que ele assentiu. Servi-lhe uma dose, perguntando se desejava algo mais. Ele sorriu, pegou o copo e sorveu a bebida toda num gole.
— Por gentileza, jovem...
— Amy.
— Jovem Amy, pode deixar a garrafa aqui comigo.
Eu continuei a organizar os copos sob o balcão, ocasionalmente lançando-lhe um olhar de relance. Ele ficou ali por certo tempo, bebericando o bourbon, parecendo perdido em seus pensamentos. Fui pega de surpresa, quando sua voz ecoou pelo bar vazio.