Esgueirou-se pela porta, cuidando de olhar para os dois lados antes
de sair da casa. A rua deserta começava a iluminar-se com a
luz ainda hesitante do amanhecer. Conferiu o relógio e viu que
faltavam quinze minutos para as seis. Estava atrasado. Ajeitou o
pesado saco no ombro e seguiu com passos apressados para o carro.
Sentia-se exausto e apreensivo, mas, ainda assim, satisfeito. Quatro
casas parecia um bom número para alguém de sua idade. Tudo bem, era
uma a menos que no ano anterior, mas e daí? O trabalho saíra ainda
mais bem feito dessa vez. Nenhum acidente. Nenhuma surpresa. E a
certeza de que ninguém conseguiria dizer que ele estivera em
qualquer uma das casas. Sorriu.
No entanto, demorara-se além do esperado. De nada adiantaria todo o
esmero e cuidado se fosse surpreendido com sua roupa tingida de
vermelho vivo e o enorme saco nas costas.
“Talvez eu esteja ficando velho demais pra isso”, pensou,
sentindo o ombro formigar sob o peso.
— Bobagem!
— murmurou com um
sorriso malicioso — Estou melhor que nunca.
Lembrou-se da primeira vez; de
como estava nervoso, do medo de ser surpreendido e do sentimento de
realização que experimentara ao ver tudo feito como planejado.
Ainda provava da mesma sensação após tantos anos. Era revigorante
imaginar os rostinhos surpresos das crianças, que iam até a cama dos pais, acordá-los na manhã de Natal. Aquele momento estaria para sempre
em suas memórias. Isso fazia valer a pena toda a preparação, que
podia levar o ano inteiro. A escolha da cidade, das casas, tudo tinha
que ser pensado e planejado com carinho.
Faltavam poucos metros para o
carro, e ele se perguntava por que tinha estacionado tão longe.
Excesso de cuidado, talvez, mas era melhor assim.
Colocou o saco no chão e aliviou
os músculos doloridos. Abriu o porta-malas e teve que fazer um
esforço extra para conseguir levantar o fardo. No ano seguinte,
poderia cogitar souvenirs
mais fáceis de carregar. Mãos, por exemplo, eram menores, mais
leves e fáceis de cortar.
“Bobagem!”, pensou, “ Nada
fica melhor na estante do que crânios”.
Uma das cabeças rolou para fora
do saco. Ele calmamente a apanhou e lançou-a de volta, provocando um
ruído nauseante quando ela se chocou com as outras.
Apressou-se. O sol já aparecia, logo as pessoas começariam a acordar. Daí viriam os
gritos, os vizinhos, a polícia... Precisava estar longe.
Entrou no carro e partiu,
provando da sensação de alegria e dever cumprido. Estava feliz.