"As pessoas me perguntam por que eu escrevo coisas tão brutas. Gosto de dizer que tenho um coração de menino; está guardado num vidro em cima da minha escrivaninha."

(Stephen King)



terça-feira, 13 de setembro de 2011

O filho morto



— Mamãe.
Amy sentou-se na cama, assustada. O chamado do filho caçula, embora apenas um sussurro, fora nítido em seu ouvido. Ela levou as mãos ao rosto e esfregou os olhos, sonolenta. Não podia ser Paul, certamente não passara de um sonho. Levantou-se, vestiu o robe e foi até o quarto das crianças, certificar-se de que Arthur, seu mais velho, estava bem. Ficou observando-o da porta e vê-lo dormir tão serenamente encheu seu coração de ternura. Estava para ir até ele, quando seus olhos encontraram a cama de Paul, arrumada e coberta de bichos de pelúcia. Não pôde continuar ali, precisou sufocar os soluços e sair apressadamente para não acordar Arthur.
De volta ao seu quarto e abraçada ao retrato do filho mais novo, Amy chorou copiosamente.
— Que saudade, meu filho — murmurou.
Estava prestes a apagar as luzes, quando um barulho vindo da sala ecoou no apartamento. Amy pôs-se em pé num salto, indecisa sobre ir ou não averiguar o que acontecera. Que bobagem, Amy. Esta é sua casa, trancada e segura. Provavelmente o gato derrubou alguma coisa, pensou.
Na sala, uma das janelas estava aberta e o vento forte fazia as cortinas esvoaçarem. Um abajur, que ficava próximo a elas, jazia no chão em pedaços. Aí está, a cortina derrubou o abajur, pensou, mas então um arrepio subiu-lhe pelas costas. Quem teria aberto a janela? Estava certa de ter trancado tudo antes de ir deitar-se. Amy foi até lá e olhou para fora. Um mês antes, fora dali que Paul saltara para a morte. Trancou-a e afastou-se dela horrorizada.

Ainda trêmula, sentou-se no sofá e esperou que algo mais acontecesse, mas tudo continuou quieto. Sentindo um misto de alívio e frustração, ela se arrastou de volta para o quarto, onde, ainda com a foto de Paul apertada contra o peito, caiu num sono inquieto, agitado por lembranças.
Naquela mesma noite, Amy despertou sentindo muito frio. Levantou-se, esfregando os braços para se aquecer, vestiu novamente o robe e apanhou um cobertor extra para o filho. Chegando ao corredor, percebeu uma luminosidade tênue que saía do quarto das crianças. Não se lembrava de ter acendido qualquer luz quando lá estivera, mas ultimamente dera para se esquecer das coisas. Culpa dos remédios.
Ao alcançar a porta, ela parou chocada, deixando cair dos braços o cobertor que trazia. Lá dentro, o armário dos filhos tinha todas as portas abertas e vários brinquedos estavam espalhados pelo chão. A luminária que ficava sobre a cabeceira de Paul estava acesa e iluminava os lençóis em desalinho e as pelúcias jogadas por todos os lados. Arthur, em sua cama, dormia encolhido de frio.
Daquela noite em diante, coisas estranhas passaram a acontecer: a janela da sala não parava mais fechada, portas batiam, roupas apareciam jogadas fora das gavetas, aparelhos começavam a funcionar sozinhos e até o gato andava mais arredio e dera para se esconder no fundo do armário. Apesar da estranheza de tais fatos, nada se comparava ao chamado que vinha despertá-la, noite após noite. Era apenas um sussurro: “mamãe”.
A princípio, não quis admitir que algo errado estava acontecendo. Receava que a julgassem louca, afinal, ela mesma já duvidava de sua sanidade. Quis acreditar que para tudo aquilo havia explicação, mas então, as coisas começaram a sair do controle.
Numa tarde, Arthur brincava na casa de um vizinho e Amy estava no banho, quando uma corrente de ar frio invadiu o banheiro. Através do box, ela pode ver quando a porta foi lentamente aberta e um pequeno vulto deslizou para dentro.
— Arthur? O que está fazendo aqui? Aconteceu alguma coisa? — perguntou ela, ainda debaixo do chuveiro.
Como não houve resposta, desligou a água e já estava prestes a sair, quando percebeu horrorizada que a pequena silhueta que se aproximava, não era Arthur, mas seu caçula.  Ele parou junto à porta do box e a tocou com a mão. Por um instante, Amy achou que ele fosse abri-la, mas isso não aconteceu. Ele apenas ficou ali, parado, como se à espera de algo. Ela então se encheu de coragem e com um puxão abriu porta. Não havia nada lá, somente o banheiro vazio. Ela se sentou no chão e chorou, certa de que havia enlouquecido. Foi aí que viu, impresso no vapor da porta, o contorno de uma pequena mão.
Amy não sabia o que fazer. Era inegável que aquela situação mudara seus sentimentos em relação filho; o que antes era saudade tornara-se medo. Receava que Arthur também pudesse estar sendo afetado. Ele se recusava a conversar a respeito e sempre que Amy tentava abordar o assunto, o menino apenas respondia:
— Não quero falar sobre Paul.
Certa manhã, Amy despertou, ouvindo Arthur a conversar no quarto. Da porta, ela o viu esbravejando:
— Deixe-me em paz! Será que nem morto você para de me encher?
— Arthur — chamou ela.
Arthur virou-se, surpreso com a presença da mãe, correu até ela e se agarrou a sua cintura.
— É mentira, mamãe! É tudo mentira — disse, choramingando.
Amy afastou-se dele delicadamente e perguntou:
— O que é mentira, meu filho?
Arthur olhou para trás, parecendo confuso e quando voltou a encará-la, seu olhar tornara-se frio.
— Nada — murmurou ele, dando-lhe as costas.
Finalmente, uma noite, quando Paul sussurrou seu chamado, Amy abriu os olhos, mas não se moveu. Tentaria despedir-se dele, mas para fazê-lo, não podia entrar em pânico. Jamais pensara que chegaria a desejar que o filho partisse para sempre, porém, naquele momento, era o que mais queria.
— Paul, meu amor, a mamãe precisa falar com você. Eu o amo muito, meu filho, mas já está na hora de você deixar a mamãe.
Nesse momento, Amy sentiu o colchão abaixar às suas costas, como se alguém subisse na cama. Um arrepio percorreu-lhe o corpo, porém ela se controlou; tinha que ir até o fim.
— Estou muito cansada, Paul! Você precisa me deixar descansar, meu bem. Então, eu vou dizer adeus agora e você não vai voltar mais, está bem? — disse ela, entre lágrimas.
Amy percebeu que algo mexia em seus cabelos e pode sentir um toque frio em sua nuca, enquanto uma voz rouca murmurava:
— Não, mamãe.
Ela saltou da cama, apavorada. Já não tinha certeza se o que vinha assombrando-a era mesmo seu filho. Exausta e histérica, Amy pôs-se a gritar:
— O que é que você quer? Deixe-me em paz! Diga de uma vez o que quer para que eu possa descansar. Já não agüento mais! Não agüento... não agüento... — repetia ela, rompendo em pranto.
Tudo permaneceu em silêncio, enquanto ela chorava, encolhida no canto do quarto. Se aquele era Paul, por que a torturava daquele jeito? De repente, Amy escutou um grito aterrorizante, vindo do quarto de Arthur. Correu até lá e quando chegou, parou petrificada diante da cena que via.
Deitado em sua cama, Arthur fitava o teto com olhos vazios e uma expressão de horror no rosto. Sentado sobre seu peito, estava Paul, encarando-o friamente. Assim que a percebeu à porta, Paul desceu da cama do irmão e caminhou em sua direção. Amy afastou-se dele. Aquele não era seu filho; podia ter o mesmo corpo, mas o que havia por dentro era diferente. Ela podia sentir a maldade por trás daquele olhar. Quando ele falou, a voz era de Paul, mas com uma entonação muito mais feroz.
— Pronto, mamãe, você já pode descansar. Eu prometo que não volto mais. Só vim buscar meu irmão; cansei de esperar. Ele me chamou para brincar de voar e disse para eu ir primeiro. Eu estava com medo, mamãe, mas Arthur disse para eu esperá-lo lá embaixo, porque ele ia voar depois. Eu esperei, mas ele nunca foi.
Amy chorava novamente e o que sentia era uma confusão de tristeza, medo e incredulidade.
— Pode ir dormir, mamãe. Não vou mais acordá-la. — disse Paul, tornando-se etéreo e desaparecendo diante dela.
Amy correu até a cama e, agarrada ao corpo de Arthur, pôs-se a gritar, enlouquecida pela morte de seus filhos.

5 comentários:

  1. Nossa Dê, que intenso! Que enredo! Fiquei impressionada com a história e até com medo!
    Um dos melhores!

    bjos amiga!
    Pri

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  2. Nossa! Maravilhoso, AMEI! Cada estrofe parece um filme inteiro, cheio de suspense e criatividade.

    Iris

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  3. Poxa, Denise, o que faço para dormir agora? Me deixou morta de medo. Ô loko!

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  4. Denise, que doido isso! As imagens vão surgindo na mente, enquanto o coração fica arisco. Não consigo tirar da cabeça a imagem do gato se escondendo no fundo do armário... Imaginar o que o pobre bichano via é perturbador! Essa aqui é a sua praia, viu, minha amiga. Nossa mãe!

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