Quando o despertador começou a tocar, Jack teve que se esticar sobre o lado vazio da cama para poder desligá-lo. Afundou o rosto no travesseiro da esposa e, embora achasse o perfume agradável, naquela manhã, ele o incomodou. Emily, como todos os dias, já se levantara há algum tempo; era difícil para certas pessoas perder antigos hábitos. Sabia que a encontraria na mesa do café, com uma caneca na mão, folheando o jornal.
Jack soltou um profundo suspiro, afastando as cobertas. Estava cansado daquilo. A rotina, a cama, a casa e, principalmente, a esposa faziam-no se sentir velho. Tinha que se libertar ou sucumbiria àquela atmosfera sufocante de monotonia. Consolava-se por saber que a situação logo estaria resolvida; um mês, pedira-lhe Tom, seu advogado.
Ainda pensava sobre isso, quando se arrastou para debaixo do chuveiro. Sentiu a água morna escorrer pelo corpo e se lembrou de Julie. Só precisaria esperar por mais alguns dias para, enfim, estar livre para ela. Tinha que ter paciência e fazer tudo com muita calma; não queria problemas com Emily. A esposa ainda não sabia do divórcio que vinha sendo arranjado. Ele a deixaria confortável, com a casa e uma boa pensão, mas dividir seus bens pela metade era um absurdo com o qual jamais concordaria. Tom ficara de providenciar os papéis de transferência e quando conseguisse a assinatura de Emily neles, Jack poderia pedir o divórcio.
Aquilo até podia parecer uma artimanha injusta, mas ele estava convicto de que era a coisa certa a ser feita, afinal trabalhara duro para adquirir seu patrimônio, enquanto Emily, sob o argumento de cuidar da família, sempre se mantivera distante dos negócios. Seria melhor, até mesmo para ela, que ele continuasse a gerir sua vida financeira. É claro, tinha também as filhas, que provavelmente não apoiariam de imediato sua relação com Julie. Contudo, enquanto elas precisassem dele, ainda que apenas financeiramente, teriam que procurá-lo. Amava as meninas, mas sempre desejara um filho e como Julie era jovem, esperava que ela lhe pudesse dá-lo.
Vestiu-se com esmero. Planejava passar no apartamento dela antes de seguir para o trabalho. Perfumou-se, ajeitou o cabelo e riu de si mesmo, diante do espelho; às vezes, sentia-se como um adolescente.
Desceu para o café e, como esperava, Emily estava sentada à mesa, porém não lia o jornal, mas tinha diante de si um grosso livro de capa dura.
— Bom dia, Emily — disse, abrindo a geladeira — Está lendo o quê?
— Bom dia, Jack. É só um livro velho, dos tempos da faculdade — respondeu ela com um sorriso, mostrando a ele a capa.
Jack serviu-se de um copo de leite de soja, seu novo elixir de saúde, e tomou-o de uma só vez; apesar de a bebida fazê-lo sentir-se bem, tinha um gosto horrível.
— “Fisiologia e Toxicidade”? Por que isso agora? Está pensando em voltar a clinicar? — perguntou com uma careta.
— Oh, não! Claro que não. É só que, às vezes, eu me dou conta de quanta coisa interessante eu aprendi e nunca usei. Além do mais, voltar a trabalhar agora não faria o menor sentido, não é? Justo quando dinheiro não é problema, estressar-me com isso parece fora de propósito.
— Mas se você voltasse a trabalhar, não seria mesmo pelo dinheiro. Talvez fosse uma boa maneira de ocupar o tempo, não?
— Ora Jack, eu tenho muito com o que me ocupar. Além do mais, se eu estivesse procurando algo com o que me distrair, teria opções bem mais interessantes — respondeu ela, pondo o livro de lado — Por falar nisso, eu estava pensando em fazer uma viagem.
Ele inspirou fundo; o ar pareceu-lhe subitamente pesado.
— Ah, Emily, eu ando com mil coisas na cabeça. Não acho que seja uma boa hora para viajarmos.
A sensação de sufocamento aumentou e Jack teve que se apoiar na pia para não cair.
— Bem, Jack, para esta viagem, eu não estava mesmo pensando em você. Estou planejando ir sozinha.
— Está querendo visitar suas irmãs? — ele perguntou, comprimindo o peito.
— Não — respondeu ela, enquanto passava geléia numa torrada — Estou pensando em passar alguns dias no Tahiti.
— Você quer viajar sozinha para o Tahiti? Que idéia é essa agora? — perguntou Jack, começando a sentir dificuldade para respirar.
— Ora, querido! Há toda uma face minha que você não conhece. Jack, você está bem? Está pálido.
As pernas de Jack vacilaram e Emily apressou-se em ajudá-lo a se sentar.
— Não estou me sentindo muito bem. Parece que tem um peso sobre o meu peito — murmurou ele.
— Você não me parece bem mesmo. Acho que o leite de soja lhe fez mal.
— Que bobagem! Venho tomando essa coisa há meses e nunca me senti assim.
— É verdade. Você tem tomado há bastante tempo, desde que começou a transar com a tal Julie, não é mesmo? Acontece que você não costuma tomá-lo misturado como fez hoje.
Jack fitou-a horrorizado. Ela sabia. Misturado, ela disse. Meu Deus, o maldito livro! Sentia uma dor lancinante no peito e uma espécie de dormência nos membros.
— Emily! O que você pôs no leite? — gemeu.
— Coisas que não deviam ser misturadas àquelas porcariazinhas azuis que você tem tomado ultimamente. Então, você queria tirar tudo de mim e depois me deixar, para ficar com a vadiazinha? Vinte e dois anos de casamento, Jack, e você planejando um golpe contra mim.
— Como você... — tentou falar, mas a dor aumentava com o esforço. Ele desabou da cadeira e Emily foi até ele, colocando-o numa posição mais confortável.
— Como eu soube? — começou ela, sorrindo — Este é o tipo de coisa fácil de descobrir, quando se dorme com o advogado do marido. Ora, não me olhe com esse ar de ofendido. Veja só, eu não me ofendo mais com seus casos. Já há algum tempo, suas vagabundas deixaram de me incomodar. Eu nem me importaria com a Julie, não fosse pelo fato de você bancar o velho idiota e se apaixonar. Tenha dó, Jack, ela tem a idade da sua filha! Vocês fizeram planos para o futuro? Tomara que não.
— Eu vou morrer? — perguntou ele num sussurro.
— Sim, vai, e você merece, seu idiota egocêntrico. Queria fazer de mim uma divorciada pobre, não é? Mas eu achei que viúva e rica era uma opção muito melhor.
Emily afastou-se, foi até a geladeira e pegou a embalagem de leite de soja, derramando o restante da bebida na pia. Depois, lavou o recipiente meticulosamente e o jogou no lixo. Consultou o relógio e apanhou o telefone. Jack assistia a tudo, agonizante. Viu a esposa ligar para seu médico e dizer que ele passara mal e que estava desacordado. A voz chorosa de Emily ao telefone soou-lhe inacreditável. Víbora desgraçada, pensava, enquanto sentia a dor abrandar. Sabia que a culpa daquilo era dele, sempre tão vaidoso, crente de que a vida dela era um satélite da sua. Jamais imaginara que Emily tivesse um lado negro. Talvez, se houvesse conhecido a mulher surpreendente que havia nela, ele a tivesse amado mais, ou ao menos, a respeitado.
Pouco antes de perder a consciência, Jack viu a esposa aproximar-se. Ela se ajoelhou ao seu lado, tomou-lhe o pulso e sussurrou em seu ouvido, no momento em que ele expirava:
— Tahiti, querido. Lembrarei de você lá.
Muito legal Denise!!!
ResponderExcluirSe fosse comigo, gostaria de fazer o mesmo que a Emily... rsrsrsrs
Beijos!!!
Dê,
ResponderExcluircomo vários outros textos seus, SENSACIONAL!!
Amiga, você tem futuro! :0)
bjos
Pri