Texto escrito para o Sétimo Desafio de Escritores, cuja tarefa consistia em escrever uma carta a Che falando das atualidades do mundo em relação à luta e os ideais de Guevara.
Companheiro
Ernesto,
Surpreendentemente, aos setenta e
nove anos, continuo por aqui, respirando, lúcido e consciente de meus atos. Não
espere que haja nesta carta um pedido de desculpas. Não é por arrependimento
que lhe escrevo, mas por uma súbita necessidade de compartilhar minha
frustração. Saiba que, com minha traição, acabei fazendo-lhe um favor. Você se
tornou uma personalidade admirada no mundo todo, por pessoas inclusive que
jamais o entenderiam se o conhecessem. Soube até que o consideram santo
em certos lugares, o que não deixa de ser muito engraçado; a santidade é algo
que nunca estaria ao alcance de homens como nós.
Livrei-o de se tornar uma figura patética, como aconteceu ao seu amigo Fidel.
Quanto a mim, continuo incógnito, como prometeram os americanos; o serviço secreto deles foi muito eficiente em desaparecer comigo.
Livrei-o de se tornar uma figura patética, como aconteceu ao seu amigo Fidel.
Quanto a mim, continuo incógnito, como prometeram os americanos; o serviço secreto deles foi muito eficiente em desaparecer comigo.
Algumas coisas mudaram desde que
você se foi; nem todas as mudanças, no entanto, foram boas.
O socialismo sucumbiu, como eu já esperava , e a potência soviética também já não existe. Jamais deixei de acreditar no socialismo, mas não creio mais nos homens, sempre cheios de ambições e prontos a tirar proveito dos cargos que ocupam. Muitas transformações são apenas cascas usadas para esconder velhos vícios. Passei a ter medo da palavra democracia quando pronunciada de modo inflamado sobre um palanque. Em sua defesa , os maiores absurdos têm sido cometidos.
O socialismo sucumbiu, como eu já esperava , e a potência soviética também já não existe. Jamais deixei de acreditar no socialismo, mas não creio mais nos homens, sempre cheios de ambições e prontos a tirar proveito dos cargos que ocupam. Muitas transformações são apenas cascas usadas para esconder velhos vícios. Passei a ter medo da palavra democracia quando pronunciada de modo inflamado sobre um palanque. Em sua defesa , os maiores absurdos têm sido cometidos.
Sentir-se-ia orgulhoso de saber
que, após tanta luta pelo direito de trabalho às mulheres, sua Argentina tem
uma como governante. Só é uma pena que seu governo seja pífio e que ela tenha
sido eleita nas costas do marido populista. O Brasil também tem uma presidenta.
Essa, uma ex-revolucionária como nós, sucedeu um ex-sindicalista de esquerda no
poder. Porém, a esquerda brasileira se assemelha muito à direita que, por
sua vez, está ao centro. Não que sejam centristas moderados, mas parecem equilibrar-se ali no meio, como um bando de putas à espera de quem lhes ofereça mais.
Minha Bolívia tem agora um homem
do povo no poder; ele se diz admirador seu. Não entendo bem o que isso
significa na prática, pois muito pouco mudou em meu país. Lá, ainda vale o que
se tem e tudo pode ser comprado.
E já que toquei nesse assunto, se me perguntasse se minha traição foi pelo dinheiro, a resposta seria: não só por ele. Seria hipocrisia dizer que o pagamento não foi bom, mas, se eu ainda acreditasse na causa, não o teria feito.
E já que toquei nesse assunto, se me perguntasse se minha traição foi pelo dinheiro, a resposta seria: não só por ele. Seria hipocrisia dizer que o pagamento não foi bom, mas, se eu ainda acreditasse na causa, não o teria feito.
O presidente venezuelano parece
ser o único na América do Sul a apresentar um discurso abertamente antiamericano.
Mas não se iluda, esse também não passa de um bufão, uma caricatura autointitulada bolivariana,
que vomita bravatas e depende dos Estados Unidos para comprar o único produto
que sustenta a economia de seu país. É cheio de palavras vazias e ufanistas que
não mudam a situação de um povo cada vez mais dependente do assistencialismo.
Sim, os americanos continuam
impondo-se, não só na América Latina, mas principalmente, agora, no oriente. Há
pouco tempo, executaram, assim com fizeram com você, um líder revolucionário mulçumano.
Porém, não acho que o mundo, de modo geral, vá lamentar sua morte e duvido que
seu rosto venha a ser estampado em camisetas. Terrorista, não guerrilheiro,
embora a diferença possa ser bastante sutil para alguns.
Sabe, Ernesto, acredito
mesmo que você tenha sido fiel ao seu discurso, afinal podia ter se acomodado
em Cuba, como fizeram companheiros seus, mas preferiu difundir seu ideal.
Contudo, hoje, acho que isso não passou de uma tremenda estupidez. Não se pode
enfiar nacionalismo goela abaixo de um povo, quando esse povo não
tem o mínimo para viver dignamente. O que é mais cruel, iludir as pessoas com
uma realidade falsa ou obrigá-las a viver num inferno real?
Recentemente, achei muito
interessante os ataques à ideia de tutela do paupérrimo Haiti. Falar
de soberania em um país onde a população como um todo vive em absoluta miséria extrapola o absurdo. De que adianta lutar pela hegemonia fingida de uma nação e ter que proibir seus
cidadãos de a abandonarem, mantendo-os sob um regime de medo, como ocorre
em Cuba? Será que a cúpula do partido comunista cubano vive nas mesmas
condições de recessão que o povo?
Questões como essas, caro
Ernesto, fizeram-me questionar nossa causa na época e angustiam-me até hoje.
Mas, pensando bem, sinto-me muito melhor agora que desabafei. Já não estou tão incomodado com o fato de meus filhos falarem melhor o inglês que o espanhol.
Viver despreocupada e descomplicadamente, esse é o segredo, meu amigo.
Mas, pensando bem, sinto-me muito melhor agora que desabafei. Já não estou tão incomodado com o fato de meus filhos falarem melhor o inglês que o espanhol.
Viver despreocupada e descomplicadamente, esse é o segredo, meu amigo.
Fique em paz, Che!
De seu ex-companheiro,
Pablo.
Miami, junho de 2011.
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