No ano de 2147, diante da grave crise ambiental
e do iminente colapso da humanidade, um conselho mundial, constituído
por grandes líderes e cientistas, aprovou a
implantação do chamado Projeto Íris.
O projeto tinha como objetivo a criação de um
software avançado que pudesse avaliar riscos e traçar diretrizes
para as ações humanas, de modo a garantir a preservação não só
do planeta como do próprio homem.
Com o tempo, Íris ou a Máquina, como era
conhecida, apresentou tão bons resultados e ganhou tal importância,
que deixou de apenas sugerir e passou a tomar decisões por seus
criadores.
Em 2191, a Máquina assumiu o controle sobre o próprio funcionamento, mantendo como principal diretriz o bem
estar dos seres humanos e a constituição de uma sociedade global que
garantisse a felicidade para TODOS.
Cidade de Cluj-Napoca, Romênia, 2233.
E
não são bons todos os dias dessa sua vida? O sorriso. Ele sabe que
é de mentira. É claro que sabe. Ontem ele também sabia; eu nem me
esforcei em fingir. Mas ele não disse nada. Também não parou. Foi
até o fim. Fez o que a Máquina espera. Gozou? Pareceu que sim. E o
beijo. Que nojo! Eu queria matá-lo. Queria!
Vou,
como todos os dias. O sorriso plástico. Ele sabe. Está me olhando
estranho. Vai contar a alguém. Vai me fazer procurar a Máquina. Não
posso. Um beijo.
Parece
mais tranquilo. Eu finjo, ele também pode fingir. Ele sabe. Tenho
que me esforçar. Um assunto qualquer, algo leve. Maldita comida
pronta! Tudo tem o mesmo gosto, o mesmo cheiro. A Máquina nos dá o
que precisamos. Mais proteína, menos gordura. Bandeja branca para
mim, bandeja verde para ele. Quente... fria... tanto faz. Ele gosta
da dele morna.
Que
susto! Chegou tão sorrateiro... Ele desconfia, eu sei.
— Hã?
Ah! Temos N15 para mim e N22 para você...
— Ai,
me desculpe. Suflê de cottage e Torta de peru.
Ai, que estúpida! O que há comigo? Se ele não percebeu, vai
perceber... Um sorriso.
— O
que há, querida? Você não me parece bem.
— Não
tem dormido? Talvez seja bom repetir seus exames.
Não!
Não posso! Não posso passar pela Máquina de novo. Vão me obrigar
a fazer o tratamento. Ionela não estava bem e teve que fazer o
tratamento. A Máquina disse que ela precisava. E agora... Bem,
Ionela agora é feliz. Todos são. Menos eu. Porque eu vejo. Vejo o
que a Máquina faz com as pessoas. Não posso. Não quero ser... O
que? Feliz? Não. Não quero ser cega.
Que
mentira! Nem sei como isso me veio à cabeça. Há meses não me
lembrava de minha avó. Olha a cara do idiota. Complacente. Quase
feliz, pensando que sofro pela falecida. A única tristeza tolerada
pela Máquina: o luto. Ideia genial. Pobre vovó.
— Oh,
Ioana, sei que sente saudades, mas isso não deixa de ser bom. É
sinal de que você guarda boas lembranças dela.
Bom.
Tudo é muito bom. Ter saudades é bom. Fazer dieta é bom. Suflê de
cottage é bom. Meu Deus, como eu queria matá-lo! Deus... Agora,
sim, lembrei-me de minha avó. O tercinho que ela carregava. “Deus
tudo vê”. A Máquina também. “Deus só quer o nosso bem”. A
Máquina também. “Deus é todo poderoso”. A Máquina
também. Talvez a Máquina seja Deus. Não. Nós criamos a Máquina.
E Deus... Nós criamos Deus? Nós certamente destruímos Deus. Então,
talvez Deus seja a Máquina. Ele fez com que criássemos a Máquina e
nos tirou o livre-arbítrio.
— Bem,
querida, vou indo. Tem certeza de que vai ficar bem? Posso marcar
um horário com o doutor Nicolai...
— Então,
até mais tarde.
Ele
é outro agora; ficou satisfeito com minha resposta. Não sabe de
nada. Suspeitava, mas é idiota demais para ver. Vou levá-lo à
porta. Um beijo. Lá está Ionela. Sinto saudades. Saudades de
Ionela, não dessa hiena falsa que ela se tornou. Grávida. Acho que
já está pelo sétimo mês. A Máquina disse que já era hora.
“Estou na idade certa” ela falou, arreganhando os dentes.
Coitada. E se a Máquina disser que eu devo ter um filho? Não. Não
quero. Prefiro morrer a ter um filho de Cosmin. “Suicidas vão para
o inferno”. O inferno não existe mais. A Máquina não pune os
suicidas. Então ainda nos resta a liberdade de morrer. Deus
não permitia. Deixe-me ver a lista de tarefas. Certo... Certo...
Certo... Só o de sempre. Hoje o canal disponível é o 4. O que
passa no canal 4 afinal? Ecossistemas em Extinção. Lindo! Fique aí
cuspindo informações sobre as borboletas da Malásia. A Máquina se
preocupa com a preservação do ambiente. É preciso nos engajar em
causas produtivas. Danem-se as borboletas! Por que não extinguir os
humanos? Talvez a Máquina seja sádica. Sadismo é coisa dos homens.
A Máquina não é má, só se preocupa demais. Nos controla porque
se preocupa? Talvez... Não! Será? Que estupidez, é claro que não!
Mas tem que haver um motivo. Por que nos manter vivos e sob controle
quando seria mais fácil se livrar de nós? Deve haver uma razão. A
Máquina é só razão. E se descobrirmos o porquê, talvez possamos
dar cabo dela. E o que teremos? Liberdade? Insatisfação? Tristeza?
Inveja? Violência? Não, humanidade. E isso seria bom? Não precisa
o homem de algo que o tutele? Deus... A Máquina... Teremos as leis.
Mas isso também já falhou. Talvez a Máquina seja um mal
necessário. Talvez eu só esteja mesmo cansada. O que estará
passando agora no canal 4? Pandas! Acho tão lindos...
***
Centro
de Processamento de Dados do Controle de Humanos – Projeto Íris
Relatório
Diário – 12/07/2233.
Leitura
de Implante Neurossináptico
Idade: 31
anos
Status: Fase
9 em andamento.
*
Leitura
de Implante Neurossináptico
Nome: Cosmin
Popa
Grau
de resistência: 2%
Status: Fase
15 concluída.
Leitura
de Implante Neurossináptico
Grau
de resistência: 64%
Status: Fase
4 concluída. Apta para fase 5.
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