"As pessoas me perguntam por que eu escrevo coisas tão brutas. Gosto de dizer que tenho um coração de menino; está guardado num vidro em cima da minha escrivaninha."

(Stephen King)



sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

O Segredo do Sete



Eles dividiam um vinho, como era habitual, quando o assunto surgiu:

– Você viu que foi desafiada hoje? – perguntou o marido em tom de provocação.

– Vi – ela respondeu, fingindo indiferença – Escrever um texto sobre nossos ciclos de sete anos.

– Coincidência interessante essa, né? Nunca havia parado para pensar; a gente se conhecia há sete anos quando começamos a namorar, sete anos depois, nos casamos e por aí vai...

– É interessante, sim. Quanto à coincidência, não tenho certeza – a esposa levou a taça aos lábios e, antes que o marido a questionasse, emendou – Estive pensando a respeito e acho que já tenho o esboço de uma história. Quer ouvir?

– Claro – ele respondeu, recostando-se.

– Começa no colégio. Ela seria uma garota esquisita, que cresceu os olhos para cima do bonitão da escola. Só que, claro, ela é invisível para ele. Mas uma das vantagens de ser estranha é que você conhece coisas estranhas. E entre o monte de esquisitice que ela sabe há uma mandinga, uma amarração que lhe parece promissora. O feitiço do Sete.

O marido remexeu-se no sofá.

– Do Sete – repetiu ele – Por que do Sete?

– Ora, você não sabe o significado do Sete? – a esposa lançou-lhe um olhar de falsa surpresa – O sete é considerado um número perfeito. Ele é muito presente em várias crenças. Está relacionado a ciclos completos, perfeitos – e sorrindo, completou – como os nossos.

– Não sei se entendi bem, mas enfim...

– Olha só, são vários os exemplos: os ciclos lunares divididos em fases de sete dias, as sete cores que compõem a luz branca, sete dias da criação do mundo, o som formado por sete notas musicais... O sete dá ideia de completude, de ciclo e recomeço. Também tem o lado obscuro da coisa: os sete pecados capitais, o dragão de sete cabeças, os sete selos do livro no Apocalipse... – ela percebeu que o marido a olhava estupefato e concluiu – Enfim, o sete é um número bem poderoso.

– E você sabe de tudo isso... por quê? – ele perguntou, depositando a taça ainda pela metade na mesa de centro.

A esposa pareceu subitamente sem graça.

– Ah, sei lá – ela respondeu sem encará-lo – Achei que você soubesse também. Devo ter lido por aí. Você sabe, adoro uma curiosidade inútil. Vai querer ouvir o resto da história? – perguntou, devolvendo-lhe a taça e servindo-os de mais vinho.

Ele assentiu com um gesto, e a esposa prosseguiu:

– Então ela junta sete componentes em um amuleto, que deve ser velado por sete luas e que é mantido junto dela todas as noites. Assim ela consegue um contrato de sete ciclos, nos quais ele será dela e nada poderá romper seu relacionamento. É mais ou menos por aí... O que achou?

– Não. Não. Espere um pouco. Foi muito rápido – o marido sentou-se ereto, atento, genuinamente interessado – O que são os sete componentes? Como assim “sete ciclos”?

– Sete ciclos completos de sete anos, mais ou menos quarenta e nove anos – ela tomou um longo gole e prosseguiu – Quanto aos componentes, posso descrevê-los quando escrever a história. Seriam coisas que significassem algo durante os ciclos: uma pena de pássaro, uma flor desidratada, uma asa de borboleta... teria também coisas menos fofas, afinal a vida não é sempre bonitinha. Um chocalho de serpente, um casulo de mariposa. E, óbvio, algo que pertencesse a cada um deles.

Ele a olhava com um misto de choque e incredulidade.

– E o que acontece quando o período de sete ciclos acabar? – perguntou em tom temeroso.

Ela deu de ombros.

– Não sei, mas acho que ela dará um jeito. Tenho certeza de que já andaria procurando uma solução para isso, embora ainda não estivesse muito preocupada, afinal, faltaria muito para que o prazo se esgotasse.

Ele ficou em silêncio, contemplando o rosto calmo da esposa. Então, explodiu numa risada nervosa.

– Meu bem, você sabe mesmo bolar umas tramas sinistras! Credo, imagine o cara achando que está levando uma vida bacana, quando foi preso por um feitiço a uma pessoa possivelmente louca.

Ela sorria, e algo naquele sorriso fez o coração do marido gelar.

– Você achou sinistro? Ah, para ser sincera, acho que há algo de romântico na história. E se ele acha que a vida deles é bacana, de repente ninguém está perdendo nada. Por que seria errado, então?

Ele a encarou seriamente.

– Porque ele foi enganado... Porque lhe foi tirada qualquer escolha.

– E que escolha ela teria? – ela respondeu ainda sorrindo.



Naquela noite, o sono do marido foi agitado. Em sonhos, ele se via preso entre restos de animais, e tudo ao redor fedia a rosas murchas.

Acordou sentindo-se sufocado. A esposa ao seu lado dormia tranquilamente.

Levantou-se tonto e tropeçou até o banheiro. Seu rosto pálido, no espelho, tinha aparência envelhecida e cansada. Foi perdido entre fragmentos de lembranças e devaneios do sonho que a revelação o atingiu.

...e é mantido junto dela todas as noites.

Pé-ante-pé, retomou seu lugar na cama, e cautelosamente pôs-se a esmiuçar o travesseiro da esposa. Quando fechou os dedos ao redor do objeto, soube o que era sem precisar vê-lo.

A mulher já não dormia, mas fitava-o com olhos profundos e exibia um sorriso que era, ao mesmo tempo, frio e exagerado.

– Para falar a verdade – ela sussurrou – acho a história toda muito romântica.


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